A morte em conta-gotas..(ou um deus chamado impacto).



Lemos em Balzac a vida do jovem Raphaël de Valentin, personagem fracassado na vida e no amor, a beira do suicídio, que se salva recebendo de um velho dono de antiquário a milagrosa pele de Onagro, que lhe confere poderes especiais e satisfazem todos seus desejos.
Porém, há um preço a se pagar: a cada desejo atendido a vida do dono é encurtada!
Prefiro pensar a inversão dessa ideia-síntese do conto Balzaquiano: "querer nos queima e poder nos destrói". Temos costume de pensar a morte como um ponto final, o abismo da  inexistência. Aliás, temos como dogma não pensa-la, tamanho nosso pavor em parte explicado pelo estúpido culto à juventude tão presente nas sociedades de consumo. Mas poderíamos considerar a morte como um evento diário, como células que obrigatoriamente desaparecem pra serem renovadas, análogas às pequenas mortes do dia-a-dia.
Em verdade nossa  morte reside no cotidiano, no aconchego de uma série de decisões renunciadas, desejos adiados, na fuga de novos amores, novos desafios, mudanças profissionais, geográficas, da adesão a novos sistemas de pensamento, etc. A morte reside numa implacável gestão de risco, cujo melhor investimento é nada fazer, é não tomar nenhuma ação, já que nada resulta e não há impacto no que não é feito - há apenas uma falsa sensação de segurança.
Quase sempre os merecimentos da vida estão disponíveis, logo ali. Mas o sistema auto-defensivo (nossa burocracia interna) estabelece uma idolatra à aversão a risco que impõe uma cruel sabotagem, cujo resultado geralmente é uma não-vida. Ou, dito de outra forma, a morte em conta-gotas. Ou em muitas gotas....

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