Lidando com a culpa inconsciente......para a vida se mexer.



Um dos textos mais instigantes e que, de alguma forma, me "colocou" na Psicanálise foi  "Uma perturbação da memória na Acrópole" (1936), em que  Freud escreve à Romain Rolland suas lembranças de uma viagem de verão à Atenas em 1904, que fez com seu irmão, mas que estava fora dos planos iniciais e por isso  recorda de uma grande resistência para ir (atenção nisso!). Freud narra o fato como uma experiência paradoxal de triunfo e mal-estar, e lembra ter dito em sua chegada na Acrópole: "Então isso realmente existe como aprendemos na escola?".  E é essa "incredubilidade" relatada que nos diz muito! Porque se forma como um sentimento de "desrealização", na medida em que há ao mesmo tempo uma crença consciente da existência da Acrópole (como aprendido na escola pelo pequeno Freud), mas no inconsciente,  não.  Explicando melhor: nessa lembrança Freud percebe que o "É bom demais para ser verdade!" ao testemunhar a Acrópole fazia diálogo com um pensamento infantil que retornava sob a égide do super-eu a questão da culpabilidade inconsciente, a cisão do eu, entre outros, porque era justamente o Pai de Freud que não acreditava na existência da Acrópole. Ou seja, nega-lá inconscientemente era um compromisso de identidade com o Pai, uma dívida simbólica, ao mesmo tempo que vive-la ao vivo em cores era "ultrapassar" esse compromisso com o pai, e por isso essa sensação de estranheza, de mal estar,  como uma culpa inconsciente. Ou seja, se carregarmos exageradamente nossas identidades o preço a pagar é o sofrimento de desconhecermos o nosso desejo (apesar do mal-estar, Freud se maravilha com a Acrópole), ao passo que "descobrir o mundo", embora gere culpa e mal estar, atende nossas forças pulsionais e permite que a vida se mexa. Que anda! Afinal, não é corriqueiro percebermos o quanto "não nos permitimos fazer" com as desculpas mais esfarrapadas e bem elaboradas para ficar no mesmo lugar? Freud não queria ter ido para Atenas.......  

“Eu assim nascido não quero tornar-me aquele que não investiga inteiramente o que sou”2 (Sófocles, Oidipous tyrannos, 430 a.C.)


 

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