Não ceder de seu desejo.....a ética na psicanálise.



Uma importante diferença do campo da psicanálise, e outras terapias, é sustentar que o sujeito do inconsciente não é idêntico ao Eu. E isso tem relevantes consequências no manejo clínico.  Freud destrinchou o processo de constituição do Eu e os eventos determinantes para o psiquismo. Um, que chamarei de "castração imaginária", tem especial relevância porque remonta a encruzilhada estrutural de nos lançamos nas identificações parentais, na linguagem, na cultura, que são vias fundamentais para constituição do Eu. É fácil supor que algo cai da relação perfeita bebê/mãe. Primeiro desmamamos, depois ganhamos outro irmãozinho que merecerá mais atenção, depois a mãe é desviada para olhar/dormir com o pai, etc. e etc.Os exemplos são muitos, e o que importa é o caso a caso. Mas somos, e justamente pelo efeito da cultura, lançados a uma posição de perda, de falta inexorável, porque obrigatoriamente cairemos do lugar "bebê única causa de desejo da mãe". Tal legislação dura e castradora pode ser negada, renegada ou foracluida (e isso vai definir as estruturas clínicas, o que é assunto para outra hora). Mas se trata de uma frustração insuperável, pois UM (bebê) e OUTRO (a mãe) jamais farão UM. E outras relações que virão EU/OUTRO também. Ou seja, ao mesmo tempo que é uma baita "ferida narcísica", é também  organizadora, porque atravessa o corpo numa experiência de perda, mas circunscreve o sujeito em uma posição de se elaborar.
Prosaicamente, saímos da condição de "sermos falados" para "falar", como no exemplo "o Joãozinho é muito inteligente" narrado pelos parentes, para o próprio Joãozinho se reconhecer em primeira pessoa e dizer "eu quero isso/aquilo/aquiloutro, etc".  Ai que está a genialidade da coisa, somos "falados" e ganhamos um mandato dos nossos pais/sociedade. Isso é muito importante porque nos organiza nas identificações, mas ao mesmo tempo ficar SÓ nessa posição é uma encrenca cheia de idealizações que faz sofrer bastante. E angústias dessa natureza são extremamente correntes. Como a negligência de atendê-las! Afinal, restituir o Eu desse lugar para o sujeito ser constituido em outro é um trabalho e tanto! Portanto a diferença é que há um cálculo na psicanálise que a perda não é um déficit e nem uma falha como o neurótico quer acreditar.  A perda é condição fundamental para o desejo. E o sujeito vai se entreter com vários objetos contingentes (comprar um carro, ir pra Paris, ter um filho, publicar uma foto no Instagram, ter um novo namorado/a, e etc.), e isso nunca será suficiente. E portanto uma boa escuta psicanalítica é não ficar preso a esses emaranhado narrativo "dos objetos que tenho/quero" na inflação do Eu.  É dar suporte para o paciente poder se enxergar em outro lugar. E, como sabemos, os neuróticos têm vários truques para nada saber sobre sua falta/desejo (adiamentos, impedições, embaraços, fugas, etc), e o bom trabalho na análise é transformar essas "demandas de amor narcísicas" num desejo de querer saber sobre seu desejo. Fazer o anlisante não ceder, se implicar e se responsabilizar pelo que realmente deseja. Mesmo que isso seja um trabalho duro e demorado.  Eis a ética da psicanálise!

Comentários

  1. Quando conversamos, entendi vc falar o título como "Não ceder AO seu desejo"...o que mudaria sobremaneira o sentido do texto...e até inverteria. Subjetivismo e inconsciente não se misturam...certo ? Se isso for certo, é de grande interesse dar conta dessa dissociação...Acho que isso sempre ficou emaranhado no senso comum, como senso caminhos indiferentes...

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  2. Sendo mais rigoroso, no sem 7 Lacan usa o aforismo “não ceder sobre o seu desejo”. Que é a ideia de não cobrir a falta do desejo pelo gozo, não ceder de seu desejo, não permitir cobrir (sobre)o desejo. Encontramos na tradução brasileira: “ceder de seu desejo”. O sujeito que cede sobre seu desejo, renuncia suas perspectivas de vida.....

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